Taiasmin Ohnmacht
O
dia amanheceu pleno de morte em uma manhã cansada e conformada com o passar das
horas.
Nos
olhos dela a perplexidade de uma atriz que foi abandonada no desenrolar de sua
tragédia.Sentimentos? Que sentimento? Alívio? Ódio? Dor? Tudo e nada num imenso vazio. Os sentidos desmoronavam.
Em
uma lentidão de hesitação e medo, se arrumou para ver, pela última vez, aquele
que dominava a palavra.
No
caixão, mudo, repousava o personagem com quem tantas batalhas havia travado.
Ele
não poderia mais atingi-la, mas também acabava qualquer esperança de paz.
O
tecido da morte é mais leve que o do ódio, mas é definitivo.
Morreste.
Tão
só me deixaste,
Tão
grande é o silêncio...
Entre
nós, palavras suspensas,
Agora
inúteis – missiva perdida.
É
para sempre, pai.
Qual
foi o teu problema?
Qual
foi o meu erro?
Perguntas
condenadas ao monólogo.
Não
sei se vivo responderias,
Mas
morto, resta a certeza.
De
uma dúvida que nunca cessa.
Pai,
eu esperei
Era
apenas um olhar,
Talvez
alguma palavra,
Mas
um olhar resolveria
Um
olhar me reconheceria
Tornaria
consistente meu mundo.
Tu
morreste, pai
Mas
eu já estou morta,
No
limbo do amor que deixaste
Em
suspenso.
A
manhã ensolarada ocultava o sol em luto.
E
por que não comemorar o fim?
Agora
ele estava ali, inerte. Ela poderia xingá-lo, cuspir-lhe na cara, humilhá-lo.
Ele estava ali, finado.
Enfim,
era um ser humano e, como tal, fora vencido pelo tempo.Mas, como um diabo, ainda podia atormentar lhe a alma.
De
repente, a morte
De
traidora de uma esperança
À
traidora de um desejo
É
preciso fugir do açoite
Um
crime foi cometido
Em
pensamento e intenção
Um
crime foi cometido
Na
vitória, a punição.
Vítima
e algoz
Se
reconhecem em seus papéis
E
entre o corpo exposto
E o
olhar atônito
Há
um anel de morte
Que
circula e ata.
Fios
que ligam o presente ao passado, feixes
nervosos atualizam a dor, eletricidade
e estática entre a boca e o ouvido.
Em
meu corpo a angústia
dos
homens dessa terra,
Para
acalmar a ebulição
De
sangue conhecido,
Os
homens afogam a culpa na seguinte reza:
“3
ave-marias e 1 Deus me livre
E
corre daqui guria sem-vergonha,
Que
o diabo é o teu corpo,
E
antes que ele desperte
Será
quebrado, para que
Minha
lucidez se preserve”.
Em
meu corpo o cálice
Do
prazer da culpa.
Em
meu corpo a barbárie
E
o necessário exorcismo.
Em
meu corpo a barbárie
E
a necessária exumação
Dos
mortos que carrego.
E
o epitáfio? Qual seria? O que diria? Como fazer a pedra falar mais do que si
mesma e rir por toda a eternidade?
Somos
homens
E
a tudo queremos.
Somos
homens
E
tudo sabemos.
Lógica,
Concreto,
Exatidão,
Os
caminhos de ir e vir.
Todos
os dias salvar o cú do chefe,
Do
colega zombeteiro,
Do
amigo traiçoeiro.
Ser
homem!
Honrar
as calças!
Afinal,
o mundo é uma selva!
Já
dizia Napoleão III
-
Quem???-
Viva
ao homem
Que
todos os dias
Vive
em perfeita harmonia!
Camaradagem
é com ele mesmo!
Só
se ferra quando entra mulher no meio,
Mas
é penitente porque Deus
Do
alto de seu poder fálico
O
abençoa no campo ou no asfalto.
Escutar
palavras do morto como quem escuta lixo humano, voltar o ódio às entranhas
apodrecidas e olhar com prazer o cimento que sela o seu destino.
Pai
nosso
Estás
no céu?
Sabes
que não sou santa
Nem
vou santificar o teu nome
Sou
apenas humana
Condenada
ao erro e ao desejo
Filha
de tua carne
E
de teu reino.
A
vontade a ser satisfeita é a minha
Tanto
na terra quanto no céu
Lutando
pelo pão e pelo amor de cada dia
Eu
tenho muitas ofensas para rezar
Ao
pé de tua lápide fria
E
nenhum perdão em meu coração.
Agora
A
minha carne está
Consagrada
às tentações:
Livrei-me
de teu mal.
Que
a lápide seja peso suficiente para calar a voz desencarnada, que junto com a
carne também apodreça a diabólica culpa daquela que crê ser o ódio quase ação.
E que o carcereiro morto não a acompanhe, não há mais espaço para grilhões.
E
que assim seja.
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