segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

À Noite


Taiasmin Ohnmacht
 

Cassandra se sentia estranha àquele ambiente. Sentada na sala de um pequeno apartamento em meio a um grupo de oito pessoas, ela pensava que, na verdade, o mundo havia se tornado um lugar estranho. Por outro lado, estar lá era uma tentativa de dar sentido ao que parecia quase bizarro.

- Cassandra, todos nós estamos aqui por que acreditamos. Estamos prontos para te ouvir com respeito.

Márcio, fundador do grupo, procurava transmitir confiança em sua voz. Ela olhou para todos, rosto por rosto. Alguns olhares curiosos, outros simpáticos, então voltou-se para Márcio e começou a relatar sua história:

- No início fiquei assustada, agora passou. Eu quero saber mais, entender. Nunca imaginei ser possível.

- A gente vive cego pelo mundo. - comentou uma ruiva sentada próxima à porta de entrada do apartamento.

- Foi na semana passada. - Cassandra continuou - Eu estava voltando da aula. Eram dez e trinta e cinco da noite, eu sei por que olhei o relógio assim que desci do ônibus. Comecei a subir a rua, tinha que andar duas quadras para chegar em casa. O engraçado é que estava preocupada com o tempo, ou a falta dele. - Ela esboçou um sorriso enigmático.

- O tempo...sempre o tempo- murmurou Márcio.

- A rua estava vazia, eu só escutava o som dos meus passos. Depois de andar uma quadra, não sei o que me fez olhar para traz, mas olhei e, do alto da lomba, vi as luzes das casas e no horizonte uma pequena estrela distante. De repente, percebi que ela se movia!- Cassandra fez uma pausa, silêncio e expectativa dominavam a sala. Ela olhou para uma das paredes e viu um cartaz onde se lia “EU ACREDITO”. Márcio ofereceu-lhe um copo d’água, mas ela recusou.

- Uma estrela cadente, eu pensei. Até fiz um pedido, mas então notei que ela não sumia, pelo contrário, ia ficando cada vez mais intensa e...começou a vir em minha direção! Não conseguia acreditar no que estava vendo.

- Nós acreditamos. - Mais uma vez Márcio, com um sorriso acolhedor, mas Cassandra começou a se irritar com a repetição daquela frase. Nós acreditamos, nós acreditamos, quase parecia um mantra.

- Quando a luz parou exatamente acima da minha cabeça é que as coisas ficaram realmente estranhas...

- Como era?- perguntou Márcio.

- A luz? Naquele momento eu sabia que ela estava ali por que tudo ao meu redor, num raio de três metros, mais ou menos, estava intensamente iluminado, mas não podia olhar para cima, pressentia que ficaria cega.

- Tá, mas e aí? O que aconteceu de tão estranho? – Uma senhora de uns sessenta anos parecia ansiosa.

- Eu vi faróis de um veículo grande entrando na rua, não demorei a perceber que era um ônibus. Ele parou no mesmo ponto onde desci. Fiquei esperando que a pessoa visse o que acontecia comigo, então reparei que era uma moça e que a bolsa dela era igual a minha! – nesse momento, Cassandra estava bastante agitada. Um rapaz musculoso, parecendo um halterofilista que não combinava com o ambiente, comentou jocosamente:

- Ela esteve na mesma loja que tu! Só isso! – Márcio o fuzilou com o olhar e depois segurou a mão de Cassandra para acalmá-la.

- O sapato era igual ao meu, a roupa, o cabelo...Era eu! Naquele momento eu tremia. Em seguida que desceu do ônibus, olhou o relógio, tal qual eu fiz, então fixou o olhar a frente e continuou andando, como se eu não existisse cerca de trinta metros a sua frente. Era eu! Por algum motivo, o tempo tinha voltado e eu estava testemunhando tudo! Comecei a me perguntar quem eu era realmente e ao final daquilo, qual de nós duas iria restar? – Novo momento de silêncio na sala. Enquanto ia recobrando a calma reparou em um abajur em forma de nave espacial. – Quando ela, ou eu, olhou para traz, repetindo o que eu havia feito minutos antes, a luz se deslocou de cima de mim, numa velocidade impressionante... Então tudo desapareceu. A outra desapareceu e a noite silenciosa pareceu zombar de minha sanidade. Eu saí correndo e então me tranquei em casa assustada. - Após o relato de Cassandra, todos ficaram pensativos por alguns instantes.

- Isso? Tu nem foi abduzida! Qualquer um poderia inventar coisa melhor! – o comentário do halterofilista deu início a um acalorado debate. Cassandra pareceu nem escutar, olhava a sala e as pessoas nela. Em uma estante perto da janela viu alguns DVDs, reconheceu Jornada nas Estrelas, Star Wars, Arquivo X. Ela começou a se perguntar se alguém ali poderia, realmente, ajudá-la a entender o que lhe havia acontecido. Uma certeza tinha, não estava em um filme de ficção científica, o que viveu foi real.

            Cassandra levantou, pegou sua bolsa e se dirigiu até a porta. O falatório na sala diminuiu um pouco, Márcio foi até ela e falou:

- Não liga para o que ele disse. Nós acreditamos.

- Mas eu não.- Cassandra estava com um sorriso tranquilo e, acima de tudo, estava decidida, não havia respostas naquela sala.

            Ela saiu para a rua e olhou para o céu. As estrelas começavam a aparecer.

 

Taiasmin Ohnmacht 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Do Submundo

Dona, me perdi numas paradas,
numas esquinas assombradas
de luzes coloridas e sangue vivo.

Dona, me assusto por qualquer motivo,
meu dedo baila no gatilho,
raiva e ódio sobram em mim.

Dona, nem sempre fui assim,
estar chapado era meu sustento,
mas a ilusão se tornou tormento.
Dona, sei que estou no fim.

TAIASMIN OHNMACHT

domingo, 3 de fevereiro de 2013

POR UM FIO


 

Taiasmin Ohnmacht

 
            O pior era olhar para fora e ver as árvores em flor. Aquele cenário fazia com que sua vida parecesse ridícula. Silvana saiu da janela e voltou-se para a sala. Naquele apartamento bagunçado, frio e silencioso residia sua realidade. Na rua, a natureza debochava dela, nada mais.

            Ela largou-se no sofá. Que mal havia? Era assim que se sentia, em aparência, asseio e sexo. Uma mulher largada. Silvana afundou um pouco mais no sofá. Talvez nunca mais conseguisse sair de lá. Pelo menos, na sala a ausência dele era pouca, mas na cozinha e no quarto tudo gritava Manoel.

            Ele não foi por que quis. Ela o mandou embora. Morena, não pode acreditar quando encontrou um longo fio de cabelo loiro preso à cueca dele. Manoel tentou argumentar que poderia ser da empregada, um acidente ao cuidar das roupas do casal, ou o fio poderia ter caído da cabeleira da vizinha de cima, precipitou-se um andar e pousou inocentemente na cueca que secava no varal. Silvana não sabia o que havia a enfurecido mais, se a descoberta capilar ou as explicações estapafúrdias. O fato é que Manoel se foi.

            Agora, formando um único corpo com o sofá, perguntava-se; por que não ignorar aquele deslocado fio? Não imaginou que sentiria tanta saudade de Manoel. Será que ele voltaria? Se nada houvesse dito ao recolher a cueca do banheiro para lavar, ele nunca teria se justificado com tantas asneiras e ela encontraria alguma hipótese razoável para tranquilizar-se.

            Manoel era um homem sensível, se ela pedisse desculpas, talvez ele voltasse. Ela virou para o outro lado no sofá. Não pode ser assim. Imagina, logo ela pedindo desculpas. A prova do crime estava na cueca dele! Tudo o que Silvana fez foi ter olhos para ver.

Quem sabe fingir um suicídio? Ele voltaria. E culpado. Poderia tomar remédios, mas só havia homeopatia em casa. Cortar os pulsos. Não, gostava muito da própria pele. Pular do quarto andar. Como se fingi uma queda? Lembrou-se dos livros. Manoel falou que à noite iria buscá-los. Silvana imaginou-se ameaçando atear fogo nos livros, caso ele não voltasse para casa. Sem chance.

            Desanimada, ligou a TV. Qualquer coisa seria melhor que seus pensamentos. Mesmo angustiada, viu uma reportagem sobre a Feira do Livro. Ela e Manoel sempre iam juntos. Antes mesmo de a ideia tomar corpo em sua mente, começou a se arrumar. Um livro. Um não, muitos. Um para ele. O livro a ajudaria a dizer o que não conseguia. Um livro sobre a canalhice masculina. Não. Sobre traição. Não. Sobre amor. Isso! Talvez um livro de poesias. Nada como as palavras de um poeta. Mais de um livro. Autoajuda. Sim, ela precisava. Como superar a traição. Como vingar-se do marido. Como ter autoconfiança. Como lidar com a raiva. Como conversar. Talvez de tudo um pouco. Ah, não podia esquecer o toque final; um livro de mistério ou de aventura, com um convite para eles lerem juntos todos os dias à noite, deitados na cama e com os pés entrelaçados, como costumavam fazer.