segunda-feira, 14 de abril de 2014

ÚLTIMOS MOMENTOS


Taiasmin Ohnmacht

 

 
Raquel? Esse nome deveria significar algo, mas ele não lembra o quê. Sussurra para si a necessidade do ataque. Não pode esquecer, não pode perder o último elo com sua história. Anda atordoado, busca no ambiente familiar de sua casa algum controle. Abre a geladeira e, por segundos, vê o corpo gelado. De quem, mesmo? Quer gritar, sabe que deve gritar, mas talvez já o tenha feito. Pensa em pegar uma cerveja, mas muda de ideia, não pode pôr em risco o pouco de sanidade que ainda tem.

            A água gelada em sua boca provoca outra lembrança, desta vez uma frase:

─ Raquel foi a última palavra que ele disse.

            Mas de quem estavam falando? Quem era ele? E quem era Raquel? As perguntas são muitas e há a íntima certeza de que as respostas o conduzirão a um abismo. Ele decide não pensar, é só matar e pronto. Tudo no lugar e nenhum amanhã. Sobretudo para Raquel.

            Abre o armário de mantimentos e pega o 38. Sempre soube que havia uma arma lá? Coloca o revolver na cintura e o esconde sob a jaqueta. Não teme ser pego pela polícia, teme apenas não chegar a seu destino.

            Não está longe, apenas 15 minutos de caminhada. Durante o trajeto, busca no rosto de cada homem por quem cruza um outro rosto. Escuta alguém gritar por Antônio. Não é o seu nome, olha para trás, apenas estranhos. Reconhece a voz, é a sua, não percebeu o movimento dos próprios lábios.

            Chega ao seu destino e lembra o suficiente para ter certeza de que deve ir até o fim. Espera ver sangue nas mãos dela, mas não há. Até o sangue de Antônio ela lhe roubou. Não pensa duas vezes, descarrega a arma em Raquel e ela cai na calçada, entre clientes e outros travestis.