quinta-feira, 29 de agosto de 2013

HELENA


Resultado de imagem para atracadouro

Taiasmin Ohnmacht 


então lá estava eu, no cais Mauá, pronto para embarcar no Catamarã. Cinquenta e sete anos e querendo reviver um amor. Nada mais piegas. No entanto eu precisava e aguardava com nervosismo e expectativa, fumando sem parar. De qualquer modo, Helena apareceu em bom momento, o mouse tremeu em minhas mãos quando vi sua foto na rede social. Seria a oportunidade de mostrar à Catarina o homem que eu ainda era, ou fui. Pelo menos à Catarina que habitava meus pensamentos, porque aquela que desposei, partira a algum tempo.

Enquanto esperava a embarcação, fiquei tentando lembrar aquele amor dos vinte anos. Recordei de alguns momentos, do som de sua voz e de quando tudo no corpo de um e de outro era descoberta, mas não conseguia lembrar a razão pela qual terminamos.

O encontro foi marcado na cidade vizinha e era a primeira vez que fazia o trajeto pelo rio. Sentei na poltrona junto à janela me sentindo um pouco ridículo em estar tão ansioso para um encontro, estou longe de ser um menino.

- Senhor, não pode fumar aqui.

Demorei a perceber que era comigo e ainda me assustei ao ver um cigarro murcho entre meus dedos. Prontamente julguei ser este o motivo do meio sorriso no rosto do funcionário. Não havia lixeira próxima, joguei o cigarro no chão e fiquei com o pé em cima, na esperança que ninguém visse, mas escutei a mulher elegante sentada ao meu lado falar:

- Eu esperava mais de você.

Fiquei confuso, não sabia se ela falava comigo ou com alguma outra pessoa, pois não olhava para mim.

Tentei fixar minha atenção na paisagem externa, tentando esquecer o que já parecia uma piada de mau gosto, mas a imagem da TV à frente insistia em chamar minha atenção. Um homem de camisa polo e um sorriso forçando simpatia, convidava:

- Venha você também!

Os passageiros das primeiras fileiras imediatamente levantaram e começaram a entrar no aparelho de LCD. Uma senhora idosa precisou da ajuda de um rapaz para colocar o pé na parte inferior da tela, distante cerca de um metro do chão. Nem todos os passageiros foram; a mulher antipática ao meu lado não deu o menor sinal de que iria levantar, apenas mantinha seu ar de tédio.

Eu resolvi ir, pensei que talvez fosse uma boa distração. Ao passar pela tela, fui recepcionado pelo homem que havia feito o convite para o inusitado passeio, mas agora ele trajava terno e gravata. No entanto, o que mais me perturbou foi o seu olhar. Em seus olhos vi imagens minhas, feliz, comemorando vitórias que nunca conquistei e de posse de objetos que nunca tive. Com dificuldade, me desprendi daquela imagem, mas não vi mais meus companheiros de trajeto. Percebi uma paisagem iluminada por um sol pálido atrás de uma torre branca, olhei melhor e vi que, na verdade, tratava-se de uma grande vela acesa no horizonte. Um céu que pareceu cinza, ficava cada vez mais azul. Batidas de tambores distantes e cada vez mais próximos começaram a se pronunciar. Olhei a minha direita, havia um ovo gigantesco, de uns cinco metros de altura. Dele, saía uma procissão de pessoas em luto. Os passos acompanhavam o som das batucadas, os olhares eram tristes, mas nenhum caixão acompanhava o cortejo. Juntei-me a eles para entender o que estava acontecendo. Uma mulher, que chorava fartas lágrimas, apoiou-se em meu braço e se tornou minha companheira de caminhada. Andamos até a grande vela, o líder da caminhada virou-se para o grupo e fez um gesto cheio de firulas, em seguida os tambores iniciaram uma batida animada e as pessoas que agora vestiam roupas coloridas, começaram a dançar em uma agitação tão intensa quanto à tristeza anterior. Eu mesmo passei a sentir uma inexplicável alegria e confiança.

-Enterramos A Noite. Agora um novo Dia chegou!

O novo líder gritava enquanto dançava com todos. Procurei a mulher que tanto chorara em meu ombro. Não era Helena, muito menos Catarina. Logo a vi em um curto vestido colorido, longas pernas e seios nus. Dançava e sorria para mim, seu olhar era zombeteiro. Senti uma mão em meu ombro, era o mesmo funcionário do catamarã que havia zombado do meu cigarro.

- É melhor o senhor voltar ao seu lugar. Estamos chegando.

O forte desejo de rever Helena me levou de volta à minha poltrona. Quando desci da tela da TV, reparei que vários lugares ocupados anteriormente estavam agora vazios. O funcionário pareceu compreender minha surpresa e falou:

- Alguns optaram por não voltar. Manteremos a TV desligada para reduzir os prejuízos da viagem.

Não posso dizer que tenha entendido tudo o que ele falou, mas aproveitei para sentar-me longe da mulher desagradável que me acompanhou no início do percurso. Olhei para a água e ela era uma infindável língua com seus músculos tentando determinar o movimento da embarcação, a despeito da força dos motores. Com um movimento brusco, fomos atirados ao atracadouro.
Apenas uma única mulher, grávida. Acariciava a promessa em seu ventre.
Desembarquei sem saber para onde ir. Voltar?

Helena não estava.


            

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Algumas Doses

Taiasmin Ohnmacht


Um cineasta pra 2

Estou com a cabeça oca de imagens

Salta um cineasta, garçom

Um cineasta pra 2

 

Preciso entorpecer a visão

E não quero Almodóvar com macarrão

Prefiro começar com um Buñuel

Guria, já provaste um Kubrick?

Ou só ficaste no George Lucas?

Alguns amigos iniciaram pelo Spielberg

E depois caíram nas drogas.

Garçom, um Fellini!

Queremos ficar bem altos

Depois um Oshima, guria

Pois não estou nada santo

Eu até gosto do Allen,

Mas vamos terminar esse jantar

Brindando com o sangue do Tarantino

 

Garçom, não te demoras

Prometo gorjeta em Coppolas

Um cineasta pra 2