Taiasmin Ohnmacht
(Profundamente tocada pela dinâmica do sarau negro Sopapo Poético e livremente inspirada pelo poema Gritaram-me Negra, de Victória Santa Cruz)
Criança que voava a rua
Sentindo o cheiro de terra
Grama e calçada
Um dia caí
─ Você não é negra,
É queimadinha do sol.
E caí
Não no chão
(meus joelhos já estavam acostumados)
Caí em uma teia grudenta
De sorridentes ilusões
Minha mãe é negra
Pensei
Eu também
Só um pouco mais clara
Isso importa?
Importa!, disse o coro
E quanto mais clara, melhor
À clara
Prefiro a gema
E se gemo com o prazer do sol
A deitar-se em minha pele
Não é para justificar minha cor
Sou negra!
Assim como minha mãe
E minha avó
Diga que é o sol
E tudo fica mais fácil
Seu nariz não é de negro
Diga que é morena
E terá o sol por culpado
Saboreio a palavra morena
Promessa de delícias
Mas não sou morena
Sou negra!
Assim como a minha mãe
E minha avó antes dela
Mas, de repente
Não encontro mais sabor
Em minha cor
Nem no verde das folhas
Dos galhos que subo
E a terra úmida
Não me oferece mais encontro
Não estou mais no mundo
Busco minha mãe
Peço que ela confirme
Minha presença negra
Mas não estou mais no mundo
E seu olhar é apenas promessa
Não cumprida.
Tenho anos
Muitos anos em uma teia
Que embaraça meus cabelos
E minha visão
Embaraça meu corpo
Em formas que desconheço
Não me reconheço
Esqueci o olhar de minha mãe
E as teias não me dizem quem sou
Mas se não sou
Posso inventar-me
Romper fios
Mudar a posição dos nós
Conexões inesperadas
Surpreender olhares
Fazer novas costuras com meus cabelos
Criar novos espelhos
E nos fios rearranjados da teia
Reencontrar minha pele
Negra a brilhar
À luz do sol
O nariz largo de minha mãe
A brincar com o meu
Em beijinhos de esquimós
E os meus cabelos altos
Em busca de liberdade
Negra
Negra
Negra