Taiasmin Ohnmacht
então lá estava eu, no cais Mauá,
pronto para embarcar no Catamarã. Cinquenta e sete anos e querendo reviver um
amor. Nada mais piegas. No entanto eu precisava e aguardava com nervosismo e
expectativa, fumando sem parar. De qualquer modo, Helena apareceu em bom
momento, o mouse tremeu em minhas mãos quando vi sua foto na rede social. Seria
a oportunidade de mostrar à Catarina o homem que eu ainda era, ou fui. Pelo
menos à Catarina que habitava meus pensamentos, porque aquela que desposei,
partira a algum tempo.
Enquanto esperava a
embarcação, fiquei tentando lembrar aquele amor dos vinte anos. Recordei de
alguns momentos, do som de sua voz e de quando tudo no corpo de um e de outro
era descoberta, mas não conseguia lembrar a razão pela qual terminamos.
O encontro foi
marcado na cidade vizinha e era a primeira vez que fazia o trajeto pelo rio.
Sentei na poltrona junto à janela me sentindo um pouco ridículo em estar tão
ansioso para um encontro, estou longe de ser um menino.
- Senhor, não pode fumar aqui.
Demorei a perceber
que era comigo e ainda me assustei ao ver um cigarro murcho entre meus dedos.
Prontamente julguei ser este o motivo do meio sorriso no rosto do funcionário.
Não havia lixeira próxima, joguei o cigarro no chão e fiquei com o pé em cima, na
esperança que ninguém visse, mas escutei a mulher elegante sentada ao meu lado
falar:
- Eu esperava mais de você.
Fiquei confuso, não
sabia se ela falava comigo ou com alguma outra pessoa, pois não olhava para
mim.
Tentei fixar minha
atenção na paisagem externa, tentando esquecer o que já parecia uma piada de
mau gosto, mas a imagem da TV à frente insistia em chamar minha atenção. Um
homem de camisa polo e um sorriso forçando simpatia, convidava:
- Venha você também!
Os passageiros das
primeiras fileiras imediatamente levantaram e começaram a entrar no aparelho de
LCD. Uma senhora idosa precisou da ajuda de um rapaz para colocar o pé na parte
inferior da tela, distante cerca de um metro do chão. Nem todos os passageiros
foram; a mulher antipática ao meu lado não deu o menor sinal de que iria
levantar, apenas mantinha seu ar de tédio.
Eu resolvi ir,
pensei que talvez fosse uma boa distração. Ao passar pela tela, fui
recepcionado pelo homem que havia feito o convite para o inusitado passeio, mas
agora ele trajava terno e gravata. No entanto, o que mais me perturbou foi o
seu olhar. Em seus olhos vi imagens minhas, feliz, comemorando vitórias que
nunca conquistei e de posse de objetos que nunca tive. Com dificuldade, me
desprendi daquela imagem, mas não vi mais meus companheiros de trajeto. Percebi
uma paisagem iluminada por um sol pálido atrás de uma torre branca, olhei
melhor e vi que, na verdade, tratava-se de uma grande vela acesa no horizonte.
Um céu que pareceu cinza, ficava cada vez mais azul. Batidas de tambores
distantes e cada vez mais próximos começaram a se pronunciar. Olhei a minha
direita, havia um ovo gigantesco, de uns cinco metros de altura. Dele, saía uma
procissão de pessoas em luto. Os passos acompanhavam o som das batucadas, os
olhares eram tristes, mas nenhum caixão acompanhava o cortejo. Juntei-me a eles
para entender o que estava acontecendo. Uma mulher, que chorava fartas
lágrimas, apoiou-se em meu braço e se tornou minha companheira de caminhada.
Andamos até a grande vela, o líder da caminhada virou-se para o grupo e fez um
gesto cheio de firulas, em seguida os tambores iniciaram uma batida animada e
as pessoas que agora vestiam roupas coloridas, começaram a dançar em uma
agitação tão intensa quanto à tristeza anterior. Eu mesmo passei a sentir uma
inexplicável alegria e confiança.
-Enterramos A Noite. Agora um novo
Dia chegou!
O novo líder
gritava enquanto dançava com todos. Procurei a mulher que tanto chorara em meu
ombro. Não era Helena, muito menos Catarina. Logo a vi em um curto vestido
colorido, longas pernas e seios nus. Dançava e sorria para mim, seu olhar era zombeteiro.
Senti uma mão em meu ombro, era o mesmo funcionário do catamarã que havia
zombado do meu cigarro.
- É melhor o senhor voltar ao seu
lugar. Estamos chegando.
O forte desejo de
rever Helena me levou de volta à minha poltrona. Quando desci da tela da TV,
reparei que vários lugares ocupados anteriormente estavam agora vazios. O
funcionário pareceu compreender minha surpresa e falou:
- Alguns optaram por não voltar.
Manteremos a TV desligada para reduzir os prejuízos da viagem.
Não posso dizer que
tenha entendido tudo o que ele falou, mas aproveitei para sentar-me longe da
mulher desagradável que me acompanhou no início do percurso. Olhei para a água
e ela era uma infindável língua com seus músculos tentando determinar o
movimento da embarcação, a despeito da força dos motores. Com um movimento
brusco, fomos atirados ao atracadouro.
Apenas uma única
mulher, grávida. Acariciava a promessa em seu ventre.
Desembarquei sem
saber para onde ir. Voltar?
Helena não estava.
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