Tudo o que aquele rapaz fazia tinha
um tom poético. Com a voz perfeitamente afinada, grave e suave, ele
transformava cada canção em uma declaração de amor. Às vezes, Raquel se
emocionava, mas procurava não demonstrar, mantendo a postura de professora de
violão e canto. O mínimo de dignidade, pensava. No entanto, seu olhar enamorado
percorria os dedos longos e delicados dele, a curvatura de suas costas,
enquanto segurava o violão, os olhos pequenos e semicerrados, cantando com
prazer uma música de Noel Rosa. Raquel pegou o violão para mostrar a ele um
acorde e viu a aliança em seu próprio dedo. Símbolo de uma união. A aliança
fazia com que a atração por Tiago parecesse patética. Era Raul quem ela
encontraria quando chegasse em casa, era com ele que dividia o cotidiano. O
rapaz, a quem ela sorvia com os olhos, tinha apenas vinte anos e era cheio de
vida! E a vida que vivo agora? Pensou Raquel.
Uma vida de silêncios. Eles faziam
percursos semelhantes pelos cômodos da casa, mas em mundos paralelos. Raros
encontros. Aos quarentas e três anos, Raquel nada mais sabia sobre sua
feminilidade. Raul não a confirmava, nem em olhares, nem em desejo. O sexo era
uma burocracia mensal. Todos os movimentos previsíveis. Muito diferente de
quando se conheceram. Ela estava terminando a faculdade de música e ele era um
recém-formado em contabilidade. A maior afinidade que tinham era o desejo
urgente de ficarem juntos. Quando haviam se perdido?
Agora, mesmo contra sua vontade,
insistia em encontrar seu desejo em um corpo que acabava de sair da
adolescência. Com Tiago, encontrava afinidades musicais, Toquinho, Paulinho da
Viola, Chico Buarque. Ele ainda gostava de música clássica e estudava
sociologia, segundo interesse de Raquel, depois da música. Enquanto Tiago
cantava Dindi, de Tom Jobim, Raquel
pensava que era tudo ideal demais. A vida não era assim. A realidade eram as
contas a pagar e a imensa dívida de mais de uma década de relacionamento com
Raul. É claro que o marido tinha suas qualidades. Ele era muito carinhoso, bem
humorado e a apoiava em suas iniciativas. Mas, de repente, a vida se tornara
previsível demais. Paixão não combinava com o cotidiano.
Raquel foi despertada de seus
pensamentos com o toque de um celular. Tiago largou o violão prontamente para
atender a ligação. Ele saiu da sala e, alguns minutos depois, retornou.
Ruborizado, fechou a porta e gritou:
-
Yes!
Olhou para Raquel sem jeito. Empolgado,
esquecera de sua presença.
-
Desculpe, eu esperei muito por esse telefonema. Pensei que ela não fosse mais
me ligar.
Raquel compreendeu. Lembrou que já
teve vinte anos e que não tinha mais. Sorriu para aquele rapaz encantador, mas
que não cantava para ela. Não sentiu ciúmes, mas uma ponta de inveja, da moça e
de Tiago. Levantou-se e começou a guardar seu violão. Em sua cabeça, Chico
Buarque cantava Trocando em Miúdos.
Raquel olhou o relógio, estava na hora de ir para casa.
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