-
Andou fazendo arte?
-
Eu não sou criança.
O
diálogo não começou bem, mas Cassandra pensou que era um comentário realmente
idiota para fazer a um senhor de setenta e oito anos de idade.
Sete horas da manhã, a clínica
estava vazia, exceto pelo senhor sentado em uma cadeira de rodas na sala de
espera. Ele aguardava para fazer um rx de fêmur, enquanto sua esposa, na
recepção, tentava entender por que o plano de saúde não liberava o exame. Já
com todo o material preparado e acostumada a este tipo de procedimento,
Cassandra resolveu conversar com o idoso, cuja ficha informava chamar-se Emílio.
-
Arte. E tem quem diga que aquilo é arte. Para mim é só pichação, sujeira.
-
Picharam sua casa? – Cassandra tentava entender do que aquele senhor estava
falando.
-
E como a senhorita pensa que eu machuquei minha perna? Os jovens acham que a
cidade é só deles e ainda por cima a tratam mal. Imagina, sujar ruas, destruir
praças, roubar fiação pública, quem eles acham que paga por isso, afinal?
Cassandra
fez um breve comentário sobre o imediatismo juvenil.
-
Senhorita, eu também já fui jovem, estas ruas também são minhas. Aqui nasci,
cresci, amei e ainda vivo. Ainda vivo, entendeu?
Então
Cassandra perguntou em que bairro ele morava.
-
No bairro Petrópolis. Perto da casa da estrela. Nós temos uma associação de
moradores do bairro pela preservação daquela casa. Uma casa linda na Rua
Guararapes com uma imensa estrela no jardim. Arquitetura única! Infelizmente,
parece que perdemos a batalha. Ela está ficando em ruínas. – após um suspiro
ele continuou. – Eu moro naquele bairro há cinquenta anos. Lá criei os meus
filhos e, na mesma casa, recebo meus netos. A senhorita mora aonde?
Cassandra
adorava uma boa conversa e, animada, respondeu que morava na Plínio Brasil
Milano.
-
Ah, antiga Estrada da Pedreira! Muitos carnavais eu brinquei lá! Clube? Não.
Carnaval de rua, mesmo. E eram divertidos! Com muitas Colombinas e lança perfume.
- de repente olhou sério para Cassandra e complementou – Naquela época era
permitido.
Cassandra
achou graça e comentou desconhecer a história de sua região.
-
Eu tive uma namorada que morava por aqueles lados. Muitos olhares e beijocas
aquelas esquinas presenciaram. – Emílio falou esta frase em voz baixa e
comentou, ainda, que sua esposa era ciumenta. – Quando nasci morávamos na
Cidade Baixa. Um bairro antigo, sabe? Lá vivi a enchente de 41. A senhorita é
tão novinha que nem deve saber do que se trata! Enfim, ficamos desabrigados e
acabamos nos mudando para o Centro, Altos da Bronze. Naqueles tempos o Centro
era o que havia de melhor na nossa cidade para um rapaz que se via com todo um
futuro de possibilidades pela frente. Hoje está tão sujo...Sabe, eu estava
tentando limpar. Subi no muro para tentar limpar a parede de minha casa. Alguém
pichou na madrugada. Então, caí. Agora aqui estou. Não sou mais criança, mesmo.
Cassandra iria falar algo, mas a
esposa de Emílo entrou na sala de espera se queixando dos desmandos do plano de
saúde. Ele fez o exame, Cassandra não era médica, por isso não disse a ele, mas
viu que não se tratava de uma fratura. Ela despediu-se daquele senhor muito pensativa
e, naquele dia, saiu para a rua olhando a cidade com carinho e respeito,
sentindo-se pequenina diante de tanta história.
Taiasmin Ohnmacht
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