Raquel? Esse nome
deveria significar algo, mas ele não lembra o quê. Sussurra para si a
necessidade do ataque. Não pode esquecer, não pode perder o último elo com sua
história. Anda atordoado, busca no ambiente familiar de sua casa algum
controle. Abre a geladeira e, por segundos, vê o corpo gelado. De quem, mesmo?
Quer gritar, sabe que deve gritar, mas talvez já o tenha feito. Pensa em
pegar uma cerveja, mas muda de ideia, não pode pôr em risco o pouco de sanidade
que ainda tem.
A
água gelada em sua boca provoca outra lembrança, desta vez uma frase:
─ Raquel foi a última palavra que ele
disse.
Mas
de quem estavam falando? Quem era ele?
E quem era Raquel? As perguntas são muitas e há a íntima certeza de que as
respostas o conduzirão a um abismo. Ele decide não pensar, é só matar e pronto.
Tudo no lugar e nenhum amanhã. Sobretudo para Raquel.
Abre
o armário de mantimentos e pega o 38. Sempre soube que havia uma arma lá?
Coloca o revolver na cintura e o esconde sob a jaqueta. Não teme ser pego pela
polícia, teme apenas não chegar a seu destino.
Não
está longe, apenas 15 minutos de caminhada. Durante o trajeto, busca no rosto
de cada homem por quem cruza um outro rosto. Escuta alguém gritar por Antônio.
Não é o seu nome, olha para trás, apenas estranhos. Reconhece a voz, é a sua,
não percebeu o movimento dos próprios lábios.
Chega
ao seu destino e lembra o suficiente para ter certeza de que deve ir até o fim.
Espera ver sangue nas mãos dela, mas não há. Até o sangue de Antônio ela lhe
roubou. Não pensa duas vezes, descarrega a arma em Raquel e ela cai na calçada,
entre clientes e outros travestis.