Taiasmin Ohnmacht
Cassandra se sentia estranha àquele
ambiente. Sentada na sala de um pequeno apartamento em meio a um grupo de oito
pessoas, ela pensava que, na verdade, o mundo havia se tornado um lugar
estranho. Por outro lado, estar lá era uma tentativa de dar sentido ao que
parecia quase bizarro.
-
Cassandra, todos nós estamos aqui por que acreditamos. Estamos prontos para te
ouvir com respeito.
Márcio, fundador do grupo, procurava
transmitir confiança em sua voz. Ela olhou para todos, rosto por rosto. Alguns
olhares curiosos, outros simpáticos, então voltou-se para Márcio e começou a
relatar sua história:
-
No início fiquei assustada, agora passou. Eu quero saber mais, entender. Nunca
imaginei ser possível.
-
A gente vive cego pelo mundo. - comentou uma ruiva sentada próxima à porta de
entrada do apartamento.
-
Foi na semana passada. - Cassandra continuou - Eu estava voltando da aula. Eram
dez e trinta e cinco da noite, eu sei por que olhei o relógio assim que desci
do ônibus. Comecei a subir a rua, tinha que andar duas quadras para chegar em
casa. O engraçado é que estava preocupada com o tempo, ou a falta dele. - Ela
esboçou um sorriso enigmático.
-
O tempo...sempre o tempo- murmurou Márcio.
-
A rua estava vazia, eu só escutava o som dos meus passos. Depois de andar uma
quadra, não sei o que me fez olhar para traz, mas olhei e, do alto da lomba, vi
as luzes das casas e no horizonte uma pequena estrela distante. De repente,
percebi que ela se movia!- Cassandra fez uma pausa, silêncio e expectativa
dominavam a sala. Ela olhou para uma das paredes e viu um cartaz onde se lia
“EU ACREDITO”. Márcio ofereceu-lhe um copo d’água, mas ela recusou.
-
Uma estrela cadente, eu pensei. Até fiz um pedido, mas então notei que ela não
sumia, pelo contrário, ia ficando cada vez mais intensa e...começou a vir em
minha direção! Não conseguia acreditar no que estava vendo.
-
Nós acreditamos. - Mais uma vez Márcio, com um sorriso acolhedor, mas Cassandra
começou a se irritar com a repetição daquela frase. Nós acreditamos, nós acreditamos, quase parecia um mantra.
-
Quando a luz parou exatamente acima da minha cabeça é que as coisas ficaram
realmente estranhas...
-
Como era?- perguntou Márcio.
-
A luz? Naquele momento eu sabia que ela estava ali por que tudo ao meu redor,
num raio de três metros, mais ou menos, estava intensamente iluminado, mas não podia
olhar para cima, pressentia que ficaria cega.
-
Tá, mas e aí? O que aconteceu de tão estranho? – Uma senhora de uns sessenta
anos parecia ansiosa.
-
Eu vi faróis de um veículo grande entrando na rua, não demorei a perceber que
era um ônibus. Ele parou no mesmo ponto onde desci. Fiquei esperando que a
pessoa visse o que acontecia comigo, então reparei que era uma moça e que a
bolsa dela era igual a minha! – nesse momento, Cassandra estava bastante
agitada. Um rapaz musculoso, parecendo um halterofilista que não combinava com
o ambiente, comentou jocosamente:
-
Ela esteve na mesma loja que tu! Só isso! – Márcio o fuzilou com o olhar e
depois segurou a mão de Cassandra para acalmá-la.
-
O sapato era igual ao meu, a roupa, o cabelo...Era eu! Naquele momento eu
tremia. Em seguida que desceu do ônibus, olhou o relógio, tal qual eu fiz,
então fixou o olhar a frente e continuou andando, como se eu não existisse
cerca de trinta metros a sua frente. Era eu! Por algum motivo, o tempo tinha
voltado e eu estava testemunhando tudo! Comecei a me perguntar quem eu era
realmente e ao final daquilo, qual de nós duas iria restar? – Novo momento de
silêncio na sala. Enquanto ia recobrando a calma reparou em um abajur em forma
de nave espacial. – Quando ela, ou eu, olhou para traz, repetindo o que eu
havia feito minutos antes, a luz se deslocou de cima de mim, numa velocidade
impressionante... Então tudo desapareceu. A outra desapareceu e a noite
silenciosa pareceu zombar de minha sanidade. Eu saí correndo e então me
tranquei em casa assustada. - Após o relato de Cassandra, todos ficaram
pensativos por alguns instantes.
-
Isso? Tu nem foi abduzida! Qualquer um poderia inventar coisa melhor! – o
comentário do halterofilista deu início a um acalorado debate. Cassandra
pareceu nem escutar, olhava a sala e as pessoas nela. Em uma estante perto da
janela viu alguns DVDs, reconheceu Jornada nas Estrelas, Star Wars, Arquivo X. Ela começou a se perguntar se alguém ali
poderia, realmente, ajudá-la a entender o que lhe havia acontecido. Uma certeza
tinha, não estava em um filme de ficção científica, o que viveu foi real.
Cassandra levantou, pegou sua bolsa
e se dirigiu até a porta. O falatório na sala diminuiu um pouco, Márcio foi até
ela e falou:
-
Não liga para o que ele disse. Nós acreditamos.
-
Mas eu não.- Cassandra estava com um sorriso tranquilo e, acima de tudo, estava
decidida, não havia respostas naquela sala.
Ela saiu para a rua e olhou para o
céu. As estrelas começavam a aparecer.
Taiasmin Ohnmacht